Estive duas horas a ver documentarios sobre cinema na internet. E por momentos lembrei-me daquele jovem que outrora sonhava com palavras e vidas repletas episódios cinematográficos cheios de cor e significado, e não esta triste sucessão de dias consumidos em gestos mecânicos, em que todas as manhã saio de casa como um côco de um relógio suiço.
Talvez haja uma lição na vida de Horward Hughes. Houve uma idade para pilotar aviões. Uma idade para fazer aviões. Uma idade para ser dono de uma companhia de aviação. E por fim uma idade para reconhecer a evidência de que mais valia ficar no quarto a ver televisão.
Estou cansado. Mais do que atado de pés e mãos as cirunstâncias, é a propria imaginação que sucumbe a força irrevogavel de uma lógica de tem de ser. Quando o milagre não surge no homem não surge em mais lado nenhum. Os dias como rosários de actos falhados sucedem-se. Tentamos encontrar algo neles que nos revele algum significado, e dir-se-ia uma novela policial apenas repleta de falsas pistas que não nos conduzem a lado nenhum. Sonhar tornou-se numa recordação de infância. Viver, um habito.
Camilo Pessanha resumiu tudo:
Eu vi a luz num país perdido. A minha alma é lânguida e inerme. Ó! Quem pudesse deslizar sem ruído! No chão sumir-se, como faz um verme...
Existe tanta beleza no mundo. Tanta beleza inalcançavel e intocável, que os homens procuram nela um mistério que a justifique. Um ser ou um acto de pura beleza é uma interrogação permanente na mente de um homem.
Sinto-me como uma mosca a tona da agua, que durante muito tempo se debateu para respirar, e quanto mais se debateu mais as asas foi molhando, e o nível da àgua baixando, imperceptivel a principio, mas baixando cada vez mais rápido, e nisso havia esperança, e eis que finalmente chegamos ao ponto em que nos damos conta do ralo, e do redomoinho que este originou. O ralo que nos suga, inclemente e incomensorávelmente.
Dizem que o petróleo vai acabar, e que esta festa insana de capitalismo globalista galopante vai terminar com uma civilização exaurida a chupar a ùltima gota do ùltimo poço num deserto do médio oriente, e que não deixa de haver alguma ironia por tudo terminar no subsolo do solo onde tudo começou a 10 mil anos. Dou comigo a pensar que será um investimento seguro investir nas companhias de engenharia e suporte a industrial petrolifera. Os lucros obtidos serão contudo inversamente proporcionais a minha segurança e conforto de vida neste canto do ocidente.
O grande dia tinha chegado. Anos de preparação, ensaios, estudos, laboratorios, fracassos e grandes passos em frente, eis que finalmente a ùltima versão de Second life estava finalizada. Finalmente tinha-se conseguido um portal de entrada sem qualquer artificio fisico, agora existia um humano que iria finalmente poder entrar na realidade virtual pela mera força do pensamento, dado que a maquina era ele, o portal de entrada era um implante nos seus neurónios. Para tanto, bastaria abrir os olhos, acordar. O seus pensamento seriam ouvidos e vistos na grande sala dos controladores, de grandes ecrã de flat screen feitos de algas artificiais, onde seriam acompanhados e gravados todos os seus momentos. Abriu os olhos com a comoção com a comoção que imagina que teria perpassado por neil armstrong ao dar o seu passo historico. Com sentido de ironia o seu pensamento foi ouvido na grande sala, um pequeno piscar de olhos para um homem, uma grande visão para a humanidade. Mas ao abrir os olhos nada mudou. Estava ainda na mesma cama, o tecto branco, a janela, os aparelhos ao fundo do quarto, tudo na mesma, nada mudara desde que havia adormecido para a operação. Um silêncio constragedor atravessou toda a sala dos controladores, onde se poderia ter ouvido um alfinete a cair, mas o que se ouviu foi a voz do pensamento da cobaia, numa voz que parecia vir do além, fracasso, miseravel fracasso. E nisto, quando se prepara para levantar, sentiu que o seu corpo era mais leve, uma sensação de que algo estava fora do seu lugar acossou-o. Experimentou levantar-se, mas para isso bastou pensar, e estava ja no ar,e um grito de pasmo foi ouvido na sala, pois este olhava agora para si próprio ainda deitado.
Tenho andado a evitar escrever este post. Aconteceu a semana passada, mais precisamente domingo passado. Ela estava na casa ao lado, numa ocasião social em que me seria fácil justificar igualmente a minha presença, mas preferi ficar parado, aguardar que a ocasião passasse. E à data de hoje ainda não sei se fiz bem se fiz mal, e à data de hoje ainda não sei porque razão me furtei ao encontro. Certo que ela é mulher casada, certo que a sua presença na casa ao lado não era pelo facto de ser a casa ao lado a minha. Certo tudo isso, e talvez nisso resida a razão da minha passividade, ao não forçar o encontro, tudo aquilo que parece certo pode enfim assim ganhar uma aura de incerteza que apenas a fantasia pode emprestar. A ocasião faz o ladrão, costuma-se dizer. Mas a ocasião que não faz o ladrão, faz o sonho do ladrão.
Ao fim destes anos todos descobri que afinal ela sempre viveu no meu bairro, a uns meros 500 metros.
A revelação foi puramente acidental, um destes fds, ao regressar do clube video, encontreia-a a caminhar no passeio de braço dado com ele. Este trazia o jornal na outra mão. Situação não podia ser explicada de outra forma, pelas leis da probabilidade, senão pelo facto de terem saido de sua casa e irem visitar os pais. Depois juntei todos os pequenos pormenores que tivera conhecimento ou observado ao longos dos anos, e compreendi que afinal sempre soubera.
Em que é que isso contribui para a minha felicidade?
Certamente que em nada. Minto. Talvez nalgum regozijo. Não no conforto baboco e romântico de a saber junto de mim, embora talvez também haja um pouco disso embora não o queira admitir. Mas porque sempre me imaginara como alguem que ficara para trás, como o ùltimo dos axterixes ( os gauleses foram derrotados para quem não saiba), como o ùltimo e possivelmente o ùnico a ficar no bairro de toda uma geração. Afinal a vida azul e de perpétua felicidade nas nuvens da pequena burguesia que lhe imaginara, talvez também não se tivesse concretizado. De qualquer forma, parafraseando henry miller, se a vida vida era uma foda no charco e a morte em seguida. Ela pelo menos daria a foda, embora partilhassemos o mesmo charco.
Sinal dos tempos, escrevo este comentário em casa do meu avô, a norte. E estranho estar aqui, e olhar todas as velhas coisas que aqui estão desde a minha infância, e poder escrever na internet, é deveras estranho para mim, que sempre me habituei a ver como duas realidades distintas.
Fugindo ao frio que imperava em casa, atravessei a vila pelo passeio solarengo. Pensei no Jose Mattoso, que tinha lido numa entrevista, que se refugiou num monte alentejano. Seria eu capaz de uma vida de ermita nesta vila, onde, apesar de tudo, todos me são estranhos?