Uma vida perfeita
Não sei de onde veio. Se a imaginei, sonhei ou a recordo de algures. Sei que a tenho, e por vezes surge-me límpida diante dos olhos como uma manhã primaveril, da mesma maneira como julgo que os poemas surgem aos poetas. trapos de intuição. frestas de horizontes. são imagens que surgem como relâmpagos.
pedaços de um futuro sonhado no passado. a vida sem arreios na mente de uma criança.
ah pudesse eu voltar ao caminho que não conheci!
Portugal Além-Portugal
No dia em que acreditarmos realmente que a ideia de Portugal é a deste rectângulo à beira mar plantado, no dia em regressarmos a ideia Afonsina de Nação, estamos a condenarmos a um longo e penoso definhar.
Acredito que a verdadeira visão de Portugal, a ùnica que lhe pode garantir a sua soberania e especificidade, é a que herdados dos filhos de D. Filipa de Lancastre. Um Portugal do mundo. Um Portugal maior que a razão. A história ensina-nos o caminho. Temos de usar a ciência e a matemática para darmos o passo impossivel que queremos dar e não como forma de justificar o passo possivel que não damos.
Uma rosto gravado a fogo na memoria
Julgamos que passamos pelas coisas, que as transpomos e que, senão podemos dizer que as esqueçemos, podemos pelo menos aspirar a que as coisas entorpeçam dentro de nós como um nó antigo que não desata mas vai ficando embrenhado cada vez mais no fundo de nós mesmos.
Julgamos tudo isso e basta um encontro acidental num dia sem aviso para vermos o quanto andamos enganados.
ser sempre um passo e nunca duas pegadas
Apetecia pedir a demissão da vida. apresentar a carta. dar mais dois meses a casa e fugir para não sei onde. que nome chamar-lhe? um sito onde não tivesse que cumprir horarios e aturar gente idiota e mais os seus problemas insignificantes. apetecia-me ir para um sitio assim algures entre um sonho uma pedrada suave e uma memoria imaginada. viver por aqui mas não exactamente aqui. falar com as pessoas daqui. amar as pessoas daqui. mas não estar completamente por aqui. ser sempre um passo e nunca duas pegadas.
Is that all there is? peggy lee
não é uma canção. é uma ensaio filosófico sob a forma de uma canção.
contradição brilhante:
No filme de Kubrik Dr. Estranho Amor quando as bombas caem e ouvimos naquela deliciosa melodia alguem cantar we will met again don´t now where don´t now when...
Contradição a génese da evolução
Sempre achei que havia qualquer coisa de mágico na contradição. A contradição é o que de mais humano e verdadeiro o ser humano possui. Um animal nunca se contradiz, os seus desejos e atitudes são constantes. Descobrir o intimo da contradição de um homem, algo quase impossivel, é descobrir as sua verdade. Freud sabia-o. Pois as vezes a contradição não é a oposição de duas ideias ou atitudes mas uma nova ideia e uma nova atitude. Da mesma forma que um filho não é a negação dos seus pais, mas a soma e sobreposição das suas caracteristicas.
Veio esta reflexão a proposito da minha mania de visionar filmes eroticos na internet ao som de musica nos antipodas de tal ambiente. Enquanto observava buttman enrolado com duas irmãs gemeas e ouvia the power of love dos Fankie go to Hollywod sem qualquer pulsão de luxuria compreendia que toda a arte, toda a sua historia, e todas as suas revoluções, são na verdade fruto dessa contradição humana, como duas ondas separadas que enfim se encontram para criar o redemoinho na praia.
Litania das Inclinações
A caminho de casa oiço no autoradio pela primeira vez o ultimo programa de lesbicas na voxx. pelo menos assim o anunciavam. ocorreu-me as combinações possiveis.
um homem que gostas de mulheres.
uma mulher que gosta de homens
um homem que gosta de homens
uma mulher que gosta de mulheres
um homem que gostava de ser mulher para gostar de homens
uma mulher que gostava de ser homem para gostar de mulheres
um homem que gostava de ser mulher para gostar de mulheres
uma mulher que gostava de ser homem para gostar de homens
um homem que não gosta de mulheres nem de homens
uma mulher que não gosta de homens nem de mulheres
um homem que gostava de ser mulher para gostar de homens e mulheres
uma mulher que gostava de ser homem para gostar de homens e mulheres
um homem que gosta de homens e de mulheres
uma mulher que gosta de mulheres e de homens
um homem que não sabe do que gosta
uma mulher que não sabe do que gosta
21 Gramas, Alejandro González Iñárritu
Diz-se que é o peso que se perde no exacto momento da morte.
É historia de um coração que conseguem redimir os outros mesmo depois da morte do seu portador. É um engima. É como a vida no seu pior e no seu melhor.
Todo o homem é um numero. Tem um numero dentro de si. Diz o personagem do coração emprestado. De acordo. Mas somente se for o numero omega de chaitin. Um numero que não é um numero mas a probabilidade de um numero. Se o homem pode ser reduzido a um numero será sempre um numero impossivel de compreender. O que é já foi, e o que será não é. Pois no coração de um homem há um engima.
Nevoeiro no Guincho
Onde tive um encontro de ex-colegas do secundario. Resolvemos encontrar-nos para jantar no Guincho. Estava uma noite de nevoeiro cerrado. Pelo que foi estranho atravessar as estradas curvas e solitarias do Guincho envolvido nesse nevoeiro espesso, ouvindo no autoradio as Variações de Golberg de Glenn Gold. Existem momentos na vida de um homem que parecem definir a sua vida. Se não a vida toda pelo menos uma das suas fases. Ontem pareceu-me um desses momentos. Atravessava o nevoeiro sem muita pressa com a esperança de um reencontro breve com o passado. Como sempre, sabia que a expectativa iria superar o reencontro.