O mundo real
«Esta profissão - a que você adoptou - não vive no mundo real. Só a visita.»
Amigos té ao fim, John Le Carré
Comentário a propósito da espionagem, mas não haverá um pouco disso em todos as profissões.
No fundo, existe sempre um vinco de alienação em todas as actividades humanas, uma lógica de análise que as afasta irremediávelmente do que se propõe analisar.
Olhamos mas não vemos, imaginamos com os olhos.
Os Cabides de Cena
Quando assistimos impotentes ao caminhar lento de alguem que queremos para longe de nós resta-nos a grandeza de não gritar e de aceitar como se tudo fizesse muito sentido. Nunca assistimos nos filmes e nas peças de teatro às personagens secundárias revoltarem-se por serem secundárias. São como os cabides de cena onde os heróis penduram o chapéu ao entrar.
Na vida muitas vezes somos forçados a ser os cabides de cena sem que possamos fazer grande coisa a esse respeito senão abdicar de qualquer presença em palco.
Eu como motivo de conversa
Às vezes penso no que dirão de mim e da minha patética tragédia que tanto gosto de cultivar, que na verdade não é tragédia nenhuma. Mas felizmente acabo sempre por cair em mim - expressão correcta, pois para voltarmos a nós, só mesmo caindo - e pergunto-me: mas terão eles todos tão pouca falta de assunto para falarem de mim? Não me parece.
Não será um pouco infantil da minha parte esta ansia de ser assunto de conversa de circulos que não posso visitar? Um pouco como desejar ser assunto de conversa na mesa dos adultos enquanto nos quedamos na mesa da cozinha a ouvir os ecos distantes dessas conversas.
Encontro com o Pai
Cruzei-me com o pai dela. Apesar na minha vã tentativa para escapar airosamente a um encontro, o senhor fez questão de me cumprimentar, o que me deixou deveras desconcertado.
Se nada sabia para dizer a filha, o que havia de dizer ao pai?