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No bananal Portugal

sábado, fevereiro 04, 2006

Ficção 3 - a conta da luz

Não era a primeira vez que faziam amor. Já o havia feito aliás muitas vezes mesmo, no armazem, a coberto da ausência dos outros funcionários. A situação não era confortável mas ninguem possuido de idêntica luxúria e perante o chorrilho de oportunidades que as permanentes saidas dos restantes funcionarios, sempre lestos em ir tratar de assuntos pessoais, e a fraca clientela que o negocio moribundo trazia ao armazem proporcionavam, descuraria para se engalfinhar. Ele era claro de pele, diria quase baltico, pois nunca mais regressara a praia desde da juventude quando era forçado a isso pelos pais. Os cabelos era castanhos claros e longos, que trazia com gala desgrenhados. Era franzino, e aparentava uma idade que suplantava numa duzia de anos devido as suas feiçoes delicadas lhe conferiam um ar juvenil, e que durante muitos anos o incomodara. Ela era um negra possante, mais alta do que ele uns bons dez centimetros. As suas formas eram exageradamente pronunciadas, que é uma forma de dizer que tinha um cu e mamas grandes. Caracteristica comum a todas as suas antigas amantes. Mas nenhuma em tais proporções. Pensava nisso enquanto a via subir a sua frente a escada. Ardia de desejo, não via a hora de entrarem no seu apartamento para derrubar ao chão. Era a primeira vez que a trazia a sua casa. A casa que fora dos seus pais e que herdara. Somente regressava a ela quando em viagem ou quando acompanhado. Pois vivia noutra cidade, onde trabalhava e tinha alugado um apartamento. Há muitos anos que vivia em cidades distantes da sua cidade natal, e se bem que fosse lógico e mesmo economico que tentasse desfazer-se do apartamento, uma vez que não o usava, senão ocasionalmente, nunca cedera a essa tentação. O apartamento tornar-se assim como uma especie de ùltimo refugio, um altar a memória dos seus anos primavereis, e uma especie de entreposto na encruzilhada das suas deambulações pelos país. Raramente permanecia mais do que dois a três dias, tempo suficiente para se encontrar e para começar a sentir também um desconforto latente que não saberia explicar. As despesas correntes com a manutenção da andar, tais com agua e a electricidade, eram pagas por um casal de velhos vizinhos a quem enviava dinheiro periodicamente, quando parecia estar perto de se esgotar a quantia que este lhes confiava, eles avisavam-no.
Era um apartamento velho, naturalmente negligenciado, onde tudo parecia emanar um certo ar de decrepitude. Por vezes nas suas visitas surprendia-se a descobrir objectos sem qualquer utilidade que havia permanecido ocultos durante anos, como cadernetas de bilhetes pré-pagos de companhias de camionagem que ja não existiam, ou radiografias dos seus frageis ossos numa idade indefinida. Não era a sensação de regressar a casa a que encontrava, mas antes a falsa impressão de voltar a um tempo que sabia já não existir. Desta vez porém tudo isso era suplantado pelo desejo. Abriu a porta com cuidado extremo, de forma a evitar que os seus velhos vizinhos o ouvissem, não que o embaraçasse ser surpreendido na companhia da amante, mas pelo receio de ver protelando o desenlaçe amoroso devido a uma longe conversa sobre as enxaquecas da vizinha, ou sobre a carreira desportiva do clube do coração do vizinho. Entraram e fecharam a parta quase com carinho. Ela não sabia o motivo, mas deu por si a sussurrar também como se fossem membros de uma organização que os tivesse forçado a clandestinidade. Antes mesmo de ligar o quadro electrico, ou de abrir a torneira de segurança da àgua, deu por si agarrado a ela, encostando-a violentamente contra a parede. Despiu-a com tal voracidade que terá saltado um ou dois botões da sua blusa. Colocando-a de quatro do tapete do corredor tomo-a arfando, como tantas vezes o fizera já nos fundos do armazem, não se dando conta do curioso espetaculo que constituiam eles os dois agarrados em tal posição, com ele movendo-se frenéticamente sobre ela, que enorme maneava as ancas, parecendo ele o macho minúsculo daquelas especies de insectos em que a femea suplanta o macho em tamanho. Tal a ansiedade acumulada na longa viagem que o prazer veio depressa, depressa de mais para ela, que não pareceu importar-se demasiado pois ja se encontrava corroida pela curiosidade de explorar a casa, de identificar o espaço ancestral do seu amante. Para ela tudo era novo, para ele tudo era velho. Mas essa será sempre além do desejo da carne a razão da paixão dos amantes.
posted by oubi  # 2/04/2006 08:39:00 da tarde
Ficção 2 - perdidos e achados na maré


Ela estava sentada na esplanada. Beberricava um capuccino que esfriava por culpa do deleite de fazer prolongar o momento. O seus rosto marmoreo revelava pequenas veias azuis mas não deixava adivinhar os pensamentos. Abria o livro, para logo o fechar. Os seus olhos azuis perscrutavam o azul do mar que se estendia em diante como uma enorme tela onde todos os sonhos eram consentidos. Uma gaivota planou sobre a esplanada num voo circular e depois elevou-se para altitudes mais elevadas para depois desaparecer no branco brilhante da luz ofuscante do sol. Na esplanada apenas ela restava, todos os outros haviam ja partido ou procurado refugio do vento no interior do estabelecimento. A praia de qualquer forma era suficientemente distante para se furtar a grandes multidões. Era isso que a atraia, isso e a memória de um verão longiquo. Um verão e um dia em que tal como hoje uma gaivota também tinha feito o circulo no ar, mas dessa vez tinha poisado mais adiante no areal, humido ainda da maré que vazara, e caminhando desajeitada havia deixado um rasto de pegadas em direcção do mar. Nesse dia ele perguntou-lhe, pediu-lhe?, se poderia ser mais qualquer coisa. Ela riu-se, achou curioso os termos em que ele o fazia. Estava habituada aos galanteios e intenções amorosas dos homens, mas nunca tivera ninguem tão desajeitado a declarar-se. Insistiu no riso, agora ja num tom de falsete, desejando afastar a inoportuna e inevitável declaração. Perante o olhar de sofrimento dele, porém, viu-se obrigada a deixar o tom ligeiro com que pretendera furtar-se airosamente, compondo um ar de amiga e confidente disse estima-lo muito, mas desejava que permanecessem nos termos actuais da sua relação, que queria dar um tempo a si própria. Não se recordava ja que mais palavras trocaram, mas recordava-se vivamente do desconforto que se seguiu ao longo desse dia, e que viria a ser o ultimo dia em que conversaram. Depois disso seriam apenas rostos familiares nas fotografias de terceiros que os connheciam a ambos, assunto de historias e boatos entre circulos de amigos. Depois disso apenas o acenar de mãos distante, como se tivesse sido decretado por algum tribunal imparcial para nunca se aproximarem. As suas vidas haviam progredido, se tal termo pode ser empregue a sucessão de momentos de uma vida, em paralelo como duas pistas que nunca se afastam mas jamais de cruzam. Sentiu-se atravessada por arrepio, o vento esfriara. Nunca sentira nada por ele que pudesse ser confundido com um sentimento amoroso, tinha a certeza disso, até pelas raras vezes em que voltara a pensar nisso. Mas tinha consciência que nesse dia distante tinha-se criado um elo entro os dois que perduraria enquanto fossem vivos. Nos enredos policiais, como do livro que tinha nas mãos, as pistas falsas servem apenas o propósito de soterrar e esconder a verdade. Mas na vida real as pistas falsas são tudo menos falsas, e têm o condão de questionar a verdade, a que temos como verdade, erguem a duvida onde esperavamos encontrar certeza. Ninguem está certo de viver a sua verdadeira vida Somos o caminho que percorremos mas somos também todos os outros que tivemos de deixar. Um carro buzinou do outro lado das dunas.
posted by oubi  # 2/04/2006 06:41:00 da tarde
Ficção 1 - Lisbon by night


Lisboa de madrugada tinha um estranho fascinio. Quando por imperativo do trabalho era obrigado a sair de casa ainda noite cerrada, antes do despontar do sol, e tinha de atravessar as ruas desertas e humidas pela chuva que caira, sentia-se como a personagem de uma fotografia da magnum, alguem cuja a importancia transcendia em muito a consciência dos seus seus passos, alguem que perduraria no prazer estetico, um simbolo de misterio, de uma multidão de observadores. Caminhado no empedrado escuro e escorregadio das ruas, tendo o cuidado de evitar os trilhos dos electricos, sentia-se observado na sua solidão por essas testemunhas imaginarias, trazia em si mesmo a plateia aprovadora que lhe bastava para que qualquer gesto ou pensamento seu não fosse nunca em vão. Era um sentimento que crescera com a idade e com a experiência de todas as frustações que fora conhecendo ao longo da vida. Nunca como agora fora tão só, mas nunca como agora também se sentira menos só. Tinha ultrapassado como que uma especie de barreira do som, e os seus actos e movimentos parecia ter ficado irremediavelmente separados do pensamento. E em lugar e momento algum essa sensação era mais premente do que nessas madrugadas de Lisboa, quando ouvia o restolhar das suas solas a cada passo como se estivesse a ser seguido pelo seu ser verdadeiro. Esse ser verdadeiro, aquele que todos conheciam, perseguia-o mas sabia ser demasiado tarde para algum dia o apanhar.
posted by oubi  # 2/04/2006 05:37:00 da tarde

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