EscombroAo seguir pelo caminho que sempre o conduzia para praia, encontrava um edificio inacabado, apenas as fundações de cimento-armado, com o ferro corroido pelo tempo como tristes ramalhetes da incúria a encimar cada coluna, e alguns velhos tijolos vermelhos esburacados que ainda tinham sido colocados. as ervas daninhas cresciam abundantes em redor. um escombro de um projecto de futuro. algo que promete ainda ou a ruína completa ou a esperança quem sabe vã de que alguem o venha completar.
As FotosDescobri umas fotos onde ela aparece. É estranho olhar para elas. Suponho que a melhor maneira de descrever o que senti, seja como se tivesse espreitado por uma buraco negro e vislumbrado um dos universos paralelos. Que segundo dizem os físicos, serão infinitos. Só mesmo assim as probabilidades podiam estar enfim a meu favor.
Nova luz, velha luzO pensamento assombra-me. Depois de ontem ter encontrado um amigo no messenger, e de termos estado na conversa um bom bocado, não pude deixar de lhe referir ao meu recente estado desperto para a situação em que encontrava. Não era nada de novo. Ocasionalmente acontecia-me, precipitado por um qualquer acontecimento tivial, consegui vislumbrar o ridiculo da minha vida em todas as suas cores, como um céu que clareasse e nos permitisse ver as coisas a uma nova luz. Assim tem sucedido nestes ùltimos dias, creio que precipitado pelo facto de ter resolvido inscrever-me no tal site de encontros com a minha verdadeira idade e ter visto tantas fotografias de outras vidas. Assim, depois da conversa com o meu amigo, acabei por ter um sono incómodo, e pelas seis horas da madrugada despertei com um sabor de desepero debaixo da lingua. Como deixei arrastar-me para esta vida?
Hi5Tirando uma pequena pausa para uma ida a praia, hoje perdi o dia a navegar no hi5 onde me inscrevi sob pseudonimo. Mulheres muito interessantes, vidas muito interessantes, a avaliar pelas fotos. mas no fundo tudo aquilo é um pouco deprimente. bem sei que devemos considera-lo apenas como um instrumento de aceleração social (neste mundo e tempo tudo tem de ser acelerado, até isso), mas mesmo que por remota hipotese fosse bem sucedido até ao ponto do primeiro encontro, o que tenho eu para oferecer?
FatimaNão conseguindo suportar o silêncio reinante em casa, peguei no carro e fui a Fatima. Dei a volta ao santuario. Encontrei muitos emigrantes portugueses, africanos e alguns galegos. Mas a verdadeira Fatima encontrei na figura de uma velha devota, que longe do buliço e dos turistas religiosos, na margem do enorme patio, encostada aos tapumes da obras de ampliação, rezavam com fervor com o terço entre as mãos. Senti pesar, inveja e revolta. Pesar porque notoriamente era uma pessoa sofredora. Inveja pela enorme e sincera fé que dava mostras. Revolta porque não consigo compreender e aceitar a arbitraridade da dor no mundo.
O Nascimento da LoucuraA dor é inevitável. De nada serve imaginar que não existe. A dor será menos dor se não resistirmos a ela. Talvez seja ainda mais fácil de a suportar se a aceitarmos. Uma experiência de enriquecimento pessoal, e todas essas balelas. A única forma de vencer a dor é mesmo desejando-a. É a matéria da qual é feita as religiões. Mas não será também esse o nascimento da loucura?
O meu ProblemaInscrevi-me num desse sites de amizade que abundam na internet. Preenchi o meu perfil e depois carreguei no botão de pesquisa de amizade ideal, e eis o resultado:
A sua pesquisa resultou em 0 resultados
Possivelmente o seu perfil em relação ao amigo(a) ideal está muito selectivo.A sério?
Os canais de Espanha A muito tempo, quando apenas existiam os dois canais publicos de televisão, e as cassetes de VHS e DVD eram ainda do dominio da ficção ciêntifica, nos dias de bom tempo, quando o céu azul era imenso, na impaciência de não ter mais nada para fazer e no desespero de ter de aguentar sempre os mesmo dois canais, costumavamos rodar os botões do sintonizador do televisor, varrendo todas as possiveis bandas, até conseguirmos encontrar uns vultos em movimento, nada que desse para discernir um rosto, mas a inconfundivel algaraviada espanhola que se ouvia não deixava duvidas que tinhamos apanhado um dos canais da tve.
Deve haver um fundo moral nesta historia, um arquetipo de episodios semelhantes que se sucederam na minha vida depois disso. Mas não o vou procurar ou escrever. Vou deixâ-lo estar, como um bicharoco que sentimos a sua presença debaixo da cama e apenas nos limitamos a esperar que desapareça ainda com vida para outro lugar.
Primeiro dia de praia e o fim de RomaRegressado um ano depois
descobri que as obras na casa que foi em tempos do alfredo keil estavam concluidas
notei que outras antigas tinha sido demolidas
possivelmente para arrepiar caminho para novas construções
ao passar pelo loja da esquina senti o cheiro antigo dos mercados
quando as mercadorias tinham ainda cheiro e o plastico era uma coisa rara e cara
desci as escadas de cimento corroida pelo ar do mar de mais dum ano
um momento depois
os pés a afundarem-se lentamente na areia
casais trintões alguns com filhos e outros sem dispersos em meu redor
o sol estava magnifico, generoso, o ceu azul aberto de par em par
estendemos a toalha
três japoneses de calças caminhavam a beira mar
quase como se tivessem chegado da carreira da provincia
respirei fundo e mergulhei no livro
a queda de roma e o fim da civilização
mortes atrocidades violações fome e perseguições
ergo a cabeça e apenas oiço o rebentar das ondas
sim, assim são as civilizações, ondas que galgam velozes
o tempo e a loucura dos homens
rebentando com estrondo
uma após outra
deixando apenas a marca perene da sua passagem na areia